Publicado na seção Tendências/Debates da Folha de S.Paulo (via ANTP)
CHICO MACENA – NÃO
Recuperar a função pública dos passeios
Recuperar a função pública das calçadas como espaço de circulação e de convívio social é um dos desafios das grandes cidades.
Reconstruí-las dentro de um padrão arquitetônico que garanta a acessibilidade contribuirá para que se recupere sua função social. Só será possível atingir esses objetivos por meio de políticas públicas em que se integrem ações de governo e conscientização cidadã.
Somente ações do governo municipal, restritas a intervenções físicas ou apenas de fiscalização, se mostraram ineficientes nos últimos anos, ao mesmo tempo que o compromisso do paulistano com o espaço público foi diminuindo ao longo do tempo.
Cuidar bem da sua calçada fazia parte da tradição do paulistano; desde o decreto-lei 415, de 3 de junho de 1947, passou a ser obrigação do munícipe manter o passeio público em frente ao seu imóvel.
A reconstrução de 235 quilômetros de calçadas nos últimos quatro anos pela Prefeitura mostrou o limite do poder público quanto à perspectiva de requalificar os estimados 35 mil quilômetros na cidade.
A Lei 15.442 de 2011 estabeleceu novas regras e fixou em R$ 300 por metro linear o valor da multa, a ser aplicada sem antes de dar ao proprietário chance de arrumar a calçada. Essa legislação não surtiu efeito no conserto das calçadas danificadas e muito menos na conscientização da nossa população.
Antes da aprovação da legislação de 2011, alegou-se que a lei anterior não pegava porque o valor era baixo –mesmo em grandes áreas a multa não ultrapassava R$ 510. Com a mudança, a multa mexeria no bolso do cidadão e por isso seria efetiva.
Foram aplicadas 10.594 multas entre setembro de 2011 e dezembro de 2012, que somaram R$ 68,3 milhões. Desse montante, apenas 4,1 milhões foram pagos, menos de 10% do total. Essa forma de aplicação da multa, além de não surtir o efeito apregoado, foi considerada injusta pelo prefeito Fernando Haddad, que propôs aos vereadores a mudança da lei.
O projeto de lei aprovado na Câmara Municipal estabeleceu prazo de 60 dias após a autuação para o responsável pelo imóvel regularizar sua calçada. Após a recuperação do espaço, a multa é cancelada.
As subprefeituras disponibilizarão um manual de orientação das calçadas, e o valor das multas será destinado a construção e requalificação de passeios, dando destinação mais justa aos recursos. A atual gestão também prevê, no plano de metas, aumentar os recursos orçamentários para a recuperação de 850 mil metros quadrados de calçadas.
Existe um consenso entre técnicos, parlamentares e agentes públicos de que a prefeitura não tem recursos para assumir a responsabilidade exclusiva pela manutenção de todas as calçadas da cidade. Se a administração municipal fosse arcar com mais esse encargo, seriam necessários mais de R$ 15 bilhões, valor equivalente a mais de 30% do orçamento anual da prefeitura.
Portanto a questão das calçadas não pode se tornar um debate oportunista; essa é uma discussão que precisa ser travada, inspirada na responsabilidade com toda a cidade.
Isentar o proprietário da responsabilidade sobre as calçadas, sabendo da impossibilidade da prefeitura de assumi-las integralmente, criaria uma desorganização na obrigação legal, além de danos irreparáveis ao direito a calçadas seguras para circulação do pedestre.
A prefeitura não se exime de suas responsabilidades para garantir a acessibilidade e a mobilidade na cidade; queremos, porém, dividir essa responsabilidade com os moradores. O debate deve seguir e envolver a sociedade, mas de forma responsável. Quem sabe assim todos possam recuperar o direito à calçada.
FRANCISCO MACENA DA SILVA, 50, é secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo
ANDREA MATARAZZO – SIM
Um problema do tamanho da cidade
A prefeitura acaba de aprovar na Câmara de Vereadores uma lei que flexibiliza multas para quem tem seu passeio danificado. Isso pode até atenuar o peso no bolso do cidadão, mas não resolve o problema.
A calçada é a via pública do pedestre, assim como a ciclovia é a via dos ciclistas, as ruas são as vias dos automóveis e os corredores são as vias dos ônibus.
Protocolei projeto de lei na Câmara de Vereadores que transfere para a prefeitura a responsabilidade pela recuperação e manutenção dos passeios públicos. A legislação atual, que atribui o ônus aos proprietários dos imóveis, não funciona. A questão vai além da discussão de multas. Estamos falando de mobilidade urbana. São Paulo tem mais de 1,5 milhão de pessoas com deficiência. Por que não as encontramos nas ruas? Certamente pela impossibilidade de circular nas calçadas.
A falta de recursos tem sido, há anos, a justificativa que encerra a discussão sobre o tema. Há dinheiro para ruas, corredores, ciclovias. Então é natural que haja verba para fazer calçadas. Recursos não são fáceis, mas existem. O que falta é, definir prioridades e estabelecer uma meta para resolver o assunto.
Desde 2008, as rotas estratégicas definidas por lei municipal da então vereadora e atual deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) abrangem 3.000 quilômetros de calçadas, que concentram 80% da circulação de pedestres. Estas já são de responsabilidade do poder público.
Existem regiões que não têm a questão fundiária regularizada, como grandes áreas nas zonas sul, norte e leste. Não é possível exigir que os proprietários façam as calçadas se nem o título de propriedade dos imóveis eles têm.
Outras áreas, de interesse social, são isentas de IPTU. Da mesma forma, se não é cobrado o imposto do morador ou do comerciante sem condições financeiras, eles obviamente não têm como pagar pelas calçadas. Em ambos os casos, a responsabilidade já acaba sendo do poder público.
Pode-se, também, instituir uma forma de reembolso para grandes imóveis, shoppings, prédios públicos ou novos acima de determinada dimensão. As calçadas seriam executadas pela Prefeitura e o custo reembolsado pelo empreendedor.
Hoje cada morador faz seu passeio de maneira aleatória, tornando a cidade uma colcha de retalhos intransitável. Imagine se as ruas também fossem uma incumbência dos donos dos terrenos. Cada um faria o seu pedaço do jeito que achasse mais adequado ou bonito.
Somente a prefeitura pode estabelecer especificações técnicas rígidas e uniformes para as calçadas. Elas são tão importantes quanto as ruas, se não mais. São um elemento utilitário, não decorativo.
Sempre entendi as calçadas como encargo do Executivo, pois só ele tem condições de atuar como mediador entre os atores envolvidos na questão.
O dono de uma casa não destrói a área na sua porta. Quem quebra é um agente externo, como as concessionárias de serviços ou até a Secretaria do Verde ao plantar uma árvore ou ainda quando suas raízes crescem e levantam o piso. Não faz sentido, portanto, cobrar o conserto do proprietário daquele imóvel.
É preciso mudar o conceito da manutenção de calçadas, tornando-as seguras, limpas, iluminadas e sinalizadas. São Paulo tem mais de 60 mil ruas e 35 mil quilômetros de passeios públicos. Por isso, a questão deve ser regida pelo Código de Trânsito: afinal, a circulação de pessoas por essas vias é similar ao fluxo de veículos pelas ruas, ambos de responsabilidade do poder público.
O problema é grave. Tem o tamanho de São Paulo e precisa ser enfrentado com coragem e prioridade.
ANDREA MATARAZZO, 56, vereador (PSDB) em São Paulo, foi secretário de Estado da Cultura (2010-12) e secretário municipal das Subprefeituras (2006-09)