No início de cada ano no Brasil, com as chuvas de verão, infelizmente é muito comum vermos tragédias ligadas a enchentes. Só em 2022, cidades como Petrópolis (RJ), Franco da Rocha (SP), Rolim de Moura (RO), Inconfidentes (MG) e diversos municípios na Bahia já sofreram as consequências deste problema.
Como as obras de engenharia podem auxiliar na prevenção destes desastres? Quais medidas podem evitar as inundações e as consequências mais sérias?
As causas das enchentes
Em primeiro lugar, é preciso entender a origem do problema. “Na verdade, elas relacionam às ocupações. Especialmente aquelas irregulares em áreas de encosta e de matas ciliares. Além disso, outros fatores que influenciam são a não-preservação ambiental dos rios, onde o lixo é descartado, assim como a falta de saneamento. Tudo isso leva a uma degradação ambiental. Consequentemente, em caso de eventos com chuvas de grandes volumes, isso gerará um comportamento anômalo, isto é, uma inundação muito maior do que em condições normais. Sobretudo no que se refere ao movimento de massa ou deslizamento de encostas”, explica Alzir Felippe Buffara Antunes, professor titular do departamento de Geomática da UFPR.
Ainda, é preciso levar em consideração que há um déficit habitacional nas grandes cidades. “O poder público é permissivo e deixa que as pessoas ocupem áreas que não podem ser habitadas. São regiões com grandes declives, com áreas de inundação do próprio rio – que tem sua área de inundação da sua margem e, em enchentes, ele transpassa isso. E é isso que causa todos os transtornos. No meu ponto de vista, a questão mais grave é a falta de planejamento urbano e a ocupação de lugares que não são propícios para moradia”, afirma Antunes.
Soluções de engenharia para evitar enchentes
A engenharia pode oferecer algumas soluções que auxiliam no combate às enchentes. Confira quais são:
- Projetos de macrodrenagem
Uma das principais causas das enchentes é que cidades vão crescendo desordenadamente e não contemplam um projeto básico de macrodrenagem.
“Toda cidade deveria ter. É preciso saber se os rios das cidades foram canalizados, como está a questão das marés (em cidades do litoral), qual é a área de impermeabilização e que tipo de solo tinha ali, qual é a topografia do local, além de mapear os cursos de água. Tudo isso deve ser avaliado e constar em um projeto único de macrodrenagem. De acordo com cada lugar, será possível avaliar o que é necessário fazer, quais soluções empregar e que equipamentos serão necessários”, explica Martha Velloso Feitosa, engenheira civil, perita judicial e membro do IBAPE – SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo).
O que acontece hoje é que cada vez mais vão se construindo bairros e loteamentos de forma desordenada e, consequentemente, há aumento da área impermeabilizada. “A água que cai não é mais drenada pelo solo e ela vai se acumulando. Aqueles bueiros que foram feitos para atender determinada região não são mais suficientes para a vazão d’água. Com isso, começa a ter inundação, o que traz muitos prejuízos”, aponta Martha.
Na opinião de Martha, é preciso parar e fazer uma macrodrenagem. “Mas fazer isso em uma cidade já totalmente urbanizada e impermeabilizada demanda obras grandes e caras, além de ser preciso fazer desapropriações. É o caso desses piscinões que foram feitos em São Paulo e em outras cidades. É preciso ter um lugar para direcionar esse volume imenso de água. Além disso, um projeto de macrodrenagem também deve prever uma destinação para água que vem do morro e costuma trazer sedimentos, o que entope bueiros. É comum, nestes casos, usar escadas hidráulicas, que direcionam essa água e diminuem a velocidade da queda. Portanto, há vários aspectos que as obras de macrodrenagem devem prever para evitar essas tragédias”, comenta Martha.
- Desassoreamento dos rios
Esta é uma opção que precisa ser avaliada e não é recomendada para todas as situações. “Acima de tudo, é um processo caro. Quando um rio apresenta assoreamento, é por conta de algum desequilíbrio. E, quando você começa, tem que fazer sempre – não é algo que se faz uma vez e nunca mais vai acontecer. Em São Paulo, por exemplo, os rios Pinheiros e Tietê são constantemente desassoreados. É importante avaliar quais impactos ambientais o desassoreamento vai causar. Na capital paulista, que é um local totalmente degradado, não há outra solução. No entanto, em cidades do interior, onde há muitos desníveis e aí é preciso fazer escadas hidráulicas. Por meio delas, é possível direcionar a água para um local mais adequado. Cada região tem uma especificidade. Por isso, para escolher a melhor opção, é necessário fazer um estudo que demanda a participação de profissionais de geografia, topografia, hidrologia, meteorologia, entre outros”, explica Martha.
- Aumento de área verde
Uma das principais causas das enchentes passa pela impermeabilização das cidades – cada vez mais fica difícil ter solos que absorvam a água de chuva. Portanto, uma das soluções apontadas pelo engenheiro e professor do Centro Universitário Newton Paiva, Miguel Augusto Najar de Moraes, é, justamente, o aumento de área verde.
Para Moraes, isso pode se dar de diversas formas. Os telhados verdes e os jardins verticais são algumas das opções. “Na primeira opção, lajes são transformadas em jardins e hortas. Já a segunda solução cobre as fachadas dos prédios com plantas. Pode parecer que não, mas aquilo retém muita água”, pontua.
Ainda dentro desta possibilidade, Moraes cita também os jardins de chuva. “A água é captada por telhados, pisos e pavimentos e o escoamento é direcionado para este jardim rebaixado, onde ocorre a infiltração. É como uma grande floreira e, para fazê-lo, só é necessário de 15 a 20 cm de profundidade. Inclusive, é uma ótima opção para ter em parques lineares”, sugere.
Esta é uma opção que pode auxiliar na prevenção de enchentes. No entanto, segundo Martha, é preciso ter em mente que as cidades onde ocorrem enchentes já estão totalmente impermeabilizadas e, refazer as ruas e calçadas se torna complicado. “As cidades já estão asfaltadas e prontas. Estas tecnologias devem ser usadas daqui pra frente”.
Moraes, por sua vez, menciona que alguns de seus alunos estão fazendo uma pesquisa para buscar formas de usar placas de concreto permeáveis, sem trazer problemas para a armação. “Eles estão pesquisando uma maneira com que a armadura exista sem entrar no processo de corrosão – e, na passagem desta água, ela resistiria. É uma solução que poderia ser usada no lugar das bocas de lobo, uma vez que só permite a passagem da água”, expõe.
Esta solução apontada por Moraes consiste em piscinões e podem ser feitos com caixas de retenção dentro de condomínios.
Ao fazer uma filtragem simples da água do telhado, que vai para um reservatório, já é possível diminuir muita coisa, segundo Moraes. “Se você coloca uma bombona de 200 litros e a sua vizinhança faz o mesmo, já são vários litros de água que deixam de ir pra rua de uma vez só”, afirma.
- Praças inundáveis (Water Squares)
Uma solução que pode auxiliar no combate às enchentes são as praças inundáveis ou “water Squares”. “São áreas projetadas para funcionar como um reservatório d’água durante as chuvas. É como se fosse um anfiteatro baixinho, que pode ter campo de esporte ou de lazer. Este espaço retém a água e, posteriormente, vai drenando-a para as cisternas, de maneira a esvaziar na meia hora seguinte depois que parou a chuva. Ela segura um pouco a água, não jogando dentro da rede de captação de microdrenagem diretamente”, conta Moraes.
Medidas complementares
Um dos principais caminhos para evitar as tragédias decorrentes de enchentes é a previsão do tempo. “Através de uma modelagem mais adequada, conseguimos saber a respeito de um evento meteorológico com uma antecedência de dez a cinco horas. Com isso, é possível fazer a desocupação dos imóveis”, aponta Antunes.
Acima de tudo, para Antunes, as obras de engenharia devem fazer parte de um conjunto de ações. “Se não forem tomadas atitudes de planejamento urbano (não permitir a ocupação de encostas), de educação ambiental (descarte adequado do lixo, preservação dos rios e conservação da mata ciliar), as obras de engenharia passam a ter um fator pequeno. Sem a conscientização desses problemas, nós não conseguimos avançar. Isso vai muito além da engenharia e deve contar também com a gestão pública”, destaca Antunes.
Entrevistados
Alzir Felippe Buffara Antunes é professor titular do departamento de Geomática da UFPR.
Martha Velloso Feitosa, engenheira civil, perita judicial, membro do IBAPE – SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo) e conselheira da Associação de Engenheiros de Santos.
Miguel Augusto Najar de Moraes é engenheiro civil, graduado pela E. E. Kenedy, com ênfase em logística, transporte e engenharia de tráfego, pós-graduado (MBA lato sensu), titulado como especialista em estruturas de concreto armado e fundações. Atualmente, ele é professor de análise estrutural e estruturas de concreto, aço e madeira no Centro Universitário Newton Paiva.
Contatos
Alzir Felippe Buffara Antunes: [email protected]
IBAPE (SP): [email protected]
Miguel Augusto Najar de Moraes: [email protected]
Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP
Artigo originalmente publicado em: https://www.cimentoitambe.com.br/
Para saber mais: https://www.solucoesparacidades.com.br/saneamento/