São Luíz do Paraitinga inaugurou, no último dia 21 de agosto, a Rua da Música, espaço projetado para requalificar uma área que foi destruída após a enchente que atingiu o município em janeiro de 2010. A rua é parte de um projeto elaborado pela Unesp durante sua atuação na cidade do Vale do Paraíba depois da tragédia. A experiência envolveu mais de uma centena de pessoas entre professores e alunos e foi marcada por um processo ativo de participação da comunidade local e sua identidade com a cultura popular.
A Rua da Música corre em paralelo ao rio Piratininga por cerca de 300 metros sobre um espaço que antes era ocupado pelos fundos dos terrenos de casas em estilo colonial muito comuns na cidade. A enchente destruiu o espaço mas preservou os imóveis, que estavam em uma área mais elevada. A água, contudo, seguiu avançando sobre o centro histórico, danificando ou destruindo completamente os prédios históricos e a igreja matriz. A notícia da enchente, divulgada no primeiro dia do ano de 2010, ganhou ampla repercussão na mídia nacional.
Hoje professor aposentado da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), no câmpus de Bauru, José Xaides coordenou a elaboração de uma série de projetos que ajudaram na revitalização do município. A criação da rua foi um deles. A íntegra da proposta incluía ainda a conexão da via com uma escola de música e um anfiteatro a céu aberto que também atuaria como um dique para conter o avanço das águas no caso de uma possível nova ameaça de enchente.
A proposta foi construída a partir de um processo de participação da população local, que em suas demandas pedia a criação de uma escola de música que coroasse a vocação cultural e musical da cidade. Ao mesmo tempo, era preciso dar utilidade a essa “grande ferida formada na borda do rio”, explica o professor, para quem a enchente gerou um trauma da população local em relação ao rio. O projeto, além de funcional, carregava o aspecto simbólico de reaproximar a população do rio Piratininga por meio de um elemento fundamental da identidade luisense: a música.
Apesar de ser um município relativamente pequeno, com pouco mais de dez mil habitantes, São Luiz do Paraitinga respira cultura, e as manifestações populares organizadas pelos próprios moradores estão intimamente ligadas à música. A Festa do Divino, realizada em maio, abriga apresentações de músicos locais e de grupos folclóricos de moçambique, jongo e congada. Seu carnaval é embalado por marchinhas compostas pelos próprios cidadãos e selecionadas a partir de um competitivo festival que acontece semanas antes da festa. Ao longo dos quatro dias de folia, diga-se, nenhum outro tipo de música é permitido dentro do perímetro carnavalesco.
A obra foi financiada pelo programa PAC Cidades Históricas. O financiamento foi aprovado ainda durante o Governo Dilma, mas os recursos não contemplaram a construção da escola nem do anfiteatro-dique. Prefeita na época da tragédia, Ana Lúcia Bilard Sicherle lembra que o trajeto onde agora foi construída a rua serviu de caminho para que botes utilizados para a prática do rafting se orientaram para resgatar moradores, que estavam isolados devido à altura da água. “Acredito que o grande objetivo desse projeto é reconectar a comunidade com o rio e lembrar a importância da sua preservação”, afirma Ana Lúcia, que foi eleita prefeita novamente em 2020 e celebrou a inauguração no último dia 21 de agosto.
Para elaborar o projeto, Xaides e sua equipe de estudantes buscaram referências em Tatuí, município que abriga um renomado conservatório de música. A ideia era tentar entender melhor quais são as demandas de uma escola de música. “Um ponto importante é que além, do espaço interno do prédio, percebemos que os alunos praticam seus exercícios musicais em qualquer lugar no entorno. Daí a ideia da rua como extensão da escola”, explica.
A recém-inaugurada Rua da Música é produto desta tradição. A via tem início na praça central onde está o coreto e a igreja matriz que foi reconstruída após a enchente. O percurso é acompanhado por um alambrado que protege a queda no rio e inclui bancos para descanso e contemplação, espaços de paisagismo e um palco para apresentações musicais, além do talude que protege o casario localizado morro acima.
Para saber mais sobre essa iniciativa:
Esse “mutirão” empenhado pela Unesp estimulou a publicação de artigos, livros e capítulos de livros. Além disso, o desenvolvimento do programa foi fartamente documentado na forma de entrevistas com gestores e moradores, registros fotográficos e audiovisuais, pareceres técnicos e documentos de projetos. Uma parte relevante deste material foi arquivado na página do Acervo Digital da Unesp.
Nesta publicação, disponível para download logo abaixo, apresentaremos as parcerias e as etapas envolvidas na construção do empreendimento, que viabilizou a construção de 151 moradias em São Luiz do Paraitinga, construídas com sistema de paredes de concreto com fôrmas fixas de PVC.