Se perguntássemos a um pedestre-motorista se ele veria algum inconveniente em reduzir um pouco a velocidade de seu carro em benefício de maior segurança viária, certamente receberíamos uma resposta positiva. Mas se a mesma pergunta fosse feita a ummotorista-pedestre, ele pensaria primeiro em si para então responder com um sonoro “não”.
Pedestre-motorista, raridade hoje em dia, é aquele cidadão que dirige automóvel, mas pensa como alguém que se locomove a pé. Já o motorista-pedestre faz exatamente o contrário: apesar de ser pedestre em alguns instantes de sua vida, seu raciocínio acompanha o ronco do motor de seu carro.
Esta diversificação entre motoristas e pedestres tem marcado fortemente as decisões de muitos gestores, assim como tem colocado em lado opostos os que pensam na segurança daqueles que preferem pensar somente em si.
Matéria do jornal Folha de SP desta semana – ‘Motorista perderá mais 4 minutos para rodar marginal de ponta a ponta’ -, apesar de correta, opta por escolher um título que dá prevalência ao tempo em lugar da violência produzida pelos que dirigem em excesso de velocidade. Título, no entanto, que agrada aos motoristas-pedestres, o que só corrobora a tese de que os carrocêntricos são expressiva maioria. Senão numérica, pois não o são, pelo menos opinativa, já que conformam a tribo dos que mais fazem barulho contra toda e qualquer medida que altere seus inúmeros privilégios. Por conta (e por medo) desta “opinião”, muitos gestores passaram anos a fio pensando a cidade em favor do automóvel. Deu no que deu.
Para estes “opinativos”, 4 minutos valem mais que 73 mortos e 1.399 feridos, números de 2014 que identificam as duas marginais paulistanas como as vias mais violentas da cidade de São Paulo. Por mais que técnicos, estudiosos, testes e estudos comprovem que um pequeno aumento na velocidade de uma via produz em contrapartida um aumento significativo de acidentes, nada serve de argumento. Por mais que famílias foram destruídas por causa de loucos ao volante, não importa. Para quem não abre mão de correr na cidade com seu carro, qualquer redução será sempre vista como um cerceamento à sua liberdade, e tudo, alegam, sempre feito em benefício de uma “indústria de multas”. Os acidentes serão contabilizados como “danos colaterais” inerentes ao progresso.
Talvez a manchete da Folha pudesse ser repensada lançando mão de um antigo slogan de segurança rodoviária: “mais vale perder 4 minutos na vida do que muitas vidas em troca de poucos minutos”.