O urbanismo é uma ciência que se desenvolveu a partir de um momento de crise. Mais especificamente, a crise da cidade medieval tradicional que, durante o século 19, teve que se adaptar rapidamente às demandas da produção industrial e às suas consequências no âmbito do sistema capitalista.

“Essa crise foi resolvida? Claro que não”, disse Leandro Medrano, professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).

Avenida 25 de Março, um dos pontos mais movimentados da maior cidade brasileira.

Avenida 25 de Março, um dos pontos mais movimentados da maior cidade brasileira.

“Cidades por todo o mundo, em particular as grandes metrópoles, mostram que os conflitos estão aumentando. Problemas relacionados à mobilidade, recursos naturais, preservação ambiental, poluição, saúde pública, falta de moradias e violência, entre outros, são frequentemente abordados por aqueles que estudam o espaço urbano”, disse em palestra na Fapesp Week Barcelona, realizada nos dias 28 e 29 de maio de 2015 na capital da Catalunha.

“A crise das cidades tem estado por trás das novas demandas sociais, urbanas, tecnológicas e políticas, em um fenômeno observado em todo o mundo, não apenas nos países em desenvolvimento”, destacou Medrano.

O pesquisador lembrou que o urbanismo surgiu como ciência em 1857 – quando o engenheiro catalão Idelfonso Cerdá escreveu o “Tratado Geral da Urbanização”, que formou a base do desenvolvimento industrial em Barcelona –, enfocando a base da civilização ocidental: a cidade.

“Foi na cidade que as ciências emergiram. É o local da modernidade e da urbanidade e, hoje, a urbanidade está espalhada pelo mundo. Vivemos em um mundo urbano, intensamente interligado por conexões reais e virtuais”, disse.

“Quando falamos em crise das cidades, não nos referimos a algo limitado a uma única estrutura disciplinar. Trata-se de um problema geral que afeta todo o conhecimento, envolvendo política, sociedade, economia, filosofia e as demais ciências”, disse.

Medrano aponta que o Brasil, onde a população urbana atingiu os 84%, está se tornando um importante laboratório para pesquisar o urbanismo, especialmente a capital paulista.

“São Paulo passou de vila para metrópole em menos de um século. Era impossível controlar o crescimento da cidade com os instrumentos disponíveis para o urbanismo, em particular entre as décadas de 1930 e 1970, quando recebeu milhões de migrantes de outras partes do Brasil e do mundo”, disse.

Mas, desde a década de 1980, o crescimento demográfico tem diminuído em São Paulo. Segundo o professor da FAU, o Brasil como um todo tem sido mais bem-sucedido na distribuição de indústrias e de serviços por seu território, enquanto as taxas de natalidade caíram.

No Brasil e na Espanha

Pesquisa feita por Medrano ressalta diferenças da São Paulo do século 21 com a do século anterior, entre as quais estão o aumento do PIB, a desindustrialização, a nova valorização das áreas centrais, a participação no sistema global e grandes investimentos imobiliários.

“Esse novo cenário implica que a cidade e aqueles que pesquisam seu urbanismo têm adotado mudanças significativas em estratégias para compreender e para desenvolver projetos para a cidade”, disse.

Segundo Medrano, nesse processo a cidade passa a ser uma “São Paulo compacta”. “A cidade para de se expandir e busca se reorganizar, ou reurbanizar seus territórios. As áreas centrais, os prédios antigos e projetos para a recuperação urbana são agora preferidos em detrimento das novidades ‘modernas’. A cidade passa a procurar uma forma mais compacta, densa e multifuncional que possa beneficiar sua riqueza cultural e sua diversidade social”, disse.

“Em habitações públicas e sociais, que representam meu principal foco de pesquisa, também tem havido mudanças significativas. Os grandes empreendimentos residenciais e os complexos em áreas suburbanas têm dado espaço para projetos e políticas que valorizam áreas mais próximas do centro da cidade, com melhor infraestrutura urbana e acesso ao transporte público”, disse.

Nesse novo cenário, as colaborações com pesquisadores europeus têm sido muito bem-sucedidas, aponta Medrano. “O conhecimento desenvolvido nas reconstruções e na reurbanização na Europa, sobretudo nos centros históricos e nos prédios de importância histórica, é um importante ponto de referência em nossa pesquisa”, disse.

“De outro lado, a complexidade e o fôlego dos assuntos com que o Brasil tem de lidar resultam em soluções originais e fornecem novos tópicos de pesquisa. Isso tem despertado o interesse de pesquisadores de muitas regiões”, disse.

Medrano falou sobre a pesquisa que conduz junto com colegas da USP e da Unicamp, com apoio da FAPESP, que envolveu um estudo de moradias sociais desenvolvidas no Brasil.

“O trabalho, que também contou com a participação de um grupo da Escuela Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Madrid, envolve a produção de um repertório crítico das principais experiências arquiteturais e urbanas dos séculos 20 e 21 em políticas habitacionais para populações de baixa renda, na Espanha e no Brasil”, disse.

A pesquisa resultou em um conjunto de periódicos que reúnem informações sobre complexos habitacionais. São informações técnicas (dados quantitativos de prédios e de suas implementações), iconográficas (fotografias de época), gráficas (redesenho das plantas dos prédios em um padrão único) e historiográficas (textos críticos publicados), disse.

De acordo com Medrano, esse material serve de guia para estudantes, profissionais e servidores públicos interessados no planejamento e na promoção de políticas habitacionais para populações de baixa renda.

“Esse é um assunto de extrema importância no Brasil e que tem sido bem desenvolvido na Espanha, especialmente na segunda metade do século 20”, disse.

Por Heitor Shimizu, publicado originalmente na Envolverde / Agência Fapesp